Para PMs e guardas-civis, personagem deixa implícito que categorias são mais suscetíveis a propinas; emissora nega
William Cardoso - O Estado de S.Paulo
Cena
do capítulo 141 da novela Insensato Coração, exibida às 21 horas pela
TV Globo no último dia 29, causou polêmica entre policiais militares e
guardas-civis por, supostamente, associá-los à corrupção. A revolta foi
tanta que o Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares (CNCG-PM/CBM) enviou carta de
repúdio ao diretor presidente da Rede Globo, Roberto Irineu Marinho,
pedindo que o dano fosse reparado.
Reprodução
Polêmica em 'Insensto Coração'
Na
novela, o delegado Rossi (Ricardo Pavão) cumpre mandado de busca e
apreensão na casa do banqueiro Cortez (Herson Capri), quando é abordado
pela filha dele, Paula (Tainá Müller). A personagem critica a ação
policial, dizendo que eles deveriam estar "recolhendo mendigos" ou
"recebendo propina de motoristas bêbados". O delegado responde que não é
guarda municipal nem policial militar.
O
diálogo entre os personagens da chamada "novela das nove" foi o
suficiente para que policiais militares e guardas-civis se manifestassem
na internet e oficialmente. "São 600 mil policiais militares em todo o
Brasil. Embora seja uma obra de ficção, acaba colaborando para que se
tenha uma imagem distorcida da categoria", disse o presidente do
Conselho Nacional de Comandantes Gerais da PM, coronel Alvaro Batista
Camilo, chefe da corporação no Estado de São Paulo. "Representantes da
própria comunidade mandaram e-mail dizendo que não ficou bem."
Na
carta enviada ao diretor presidente da Globo, Camilo diz que o diálogo
tem "forte caráter pejorativo". Ele diz que cabe à emissora reparar a
cena na própria novela "para que não paire qualquer dúvida sobre a
pessoa e a imagem do policial militar brasileiro". "Até o momento, não
recebi nenhuma informação de que haverá algum reparo."
Manifestação.
O presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do
Estado de São Paulo, Wilson de Oliveira Morais, diz que recebeu
telefonemas e e-mails pedindo que a entidade se manifestasse contra as
declarações do delegado Rossi. "A maioria dos policiais militares é
honesta, tanto que trabalha 18, 20 horas por dia justamente para não ter
de pegar propina para poder sobreviver; 85% dos policiais militares
fazem bico."
Entre
os guardas-civis também houve reação negativa por causa do diálogo na
novela. "Assisti à cena e fiquei chateado. As corporações refletem a
sociedade, mas você não pode colocar isso (corrupção) como uma prática
comum a todos", diz Carlos Augusto Souza Silva, presidente do
Sindguardas (entidade que representa os guardas metropolitanos de São
Paulo). "Em vez de contribuir para a solução dos problemas, acaba
colocando como uma verdade."
Ficção.
Questionada, a Globo afirmou que a declaração do delegado Rossi diz
respeito à função de ordenamento urbano exercida pelos guardas e PMs,
mencionada pela personagem Paula ("recolher mendigos"), que tem como
características o preconceito e a arrogância. A autoridade logo explica
que não faz parte da Polícia Militar ou da Guarda Municipal, corporações
que têm competência para tal função. A emissora ressalta que a atitude
de Paula é imediatamente repreendida pelo irmão, um estudante de
Direito.
A
Globo afirma também que a novela é uma obra ficcional, amparada pela
liberdade de expressão e sem compromisso algum com a realidade, "que
deveria ser a verdadeira preocupação das autoridades". O Estado procurou
também os autores da novela, Gilberto Braga e Ricardo Linhares, mas
eles não se manifestaram até as 20 horas de ontem./ COLABOROU RENATO
MACHADO
DIÁLOGO POLÊMICO
Paula
"Eu sou uma das donas dessa casa. Eu acho um absurdo chegar aqui e estar essa bagunça, essa falta de respeito. Vocês não têm mais nada para fazer, não, hein? Com tanto mendigo na rua para recolher, o que vocês fazem, hein? Só recebem propina de motorista bêbado?"
"Eu sou uma das donas dessa casa. Eu acho um absurdo chegar aqui e estar essa bagunça, essa falta de respeito. Vocês não têm mais nada para fazer, não, hein? Com tanto mendigo na rua para recolher, o que vocês fazem, hein? Só recebem propina de motorista bêbado?"
Delegado Rossi
"Acho que a senhora está confundindo um pouco as coisas. Eu não sou guarda municipal, tampouco sou policial militar, por isso mesmo vou te dar um refresco e vou fingir que não ouvi o que a senhorita acabou de dizer."
"Acho que a senhora está confundindo um pouco as coisas. Eu não sou guarda municipal, tampouco sou policial militar, por isso mesmo vou te dar um refresco e vou fingir que não ouvi o que a senhorita acabou de dizer."
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