Coleção dos Matsunaga tem armas de gângster, nazistas e James Bond
Acervo do casal será doado, vendido ou destruído, dizem advogados.
Justiça decidirá destino de 32 das 33 armas apreendidas pela polícia de SP.
Há
três meses, em 19 de maio, uma arma que integrava uma coleção avaliada
em até R$ 267 mil foi usada por Elize Araújo Kitano Matsunaga no
assassinato do marido, o empresário e ex-diretor executivo da Yoki
Marcos Kitano Matsunaga, em São Paulo. O G1 teve
acesso a 27 das 33 armas e a cerca de 40 kg de munições do acervo do
casal. São peças que muitos militares, policiais e especialistas só
viram em filmes e que pacifistas sonhariam ver destruídas por campanhas
de desarmamento como a que ocorre nesta semana na capital paulista.
A coleção do casal Matsunaga foi apreendida há mais de dois meses pela
Polícia Civil. Ela era guardada pelo empresário no apartamento onde
morava com sua mulher e a filha de 1 ano deles. No imóvel, Marcos foi
morto com um tiro na cabeça e esquartejado com uma faca por Elize, que
seguia presa pelo homicídio até esta sexta-feira (17).
O crime teria sido
motivado pela descoberta da infidelidade e traição de Marcos. Para a
acusação, a bacharel também queria ficar com um seguro de vida da
vítima. A ré aguarda a Justiça marcar uma data para a audiência de
instrução que irá decidir se ela será submetida a júri popular pelo
crime ou não. A defesa de Elize alega que ela só atirou após ter sido
agredida pelo marido.
A arma do crime não é a que
especialistas consideram a mais potente, cara ou sofisticada da coleção:
é uma pistola Imbel, de fabricação nacional, calibre .380 e modelo GC,
avaliada em R$ 1,2 mil. Elize ganhou a arma de presente do marido. Os
Matsunaga tinham outras peças com características mais exclusivas. “São
armas de bom gosto. Algumas são, inclusive, de uso restrito e de maior
potência, que mostram o perfil de quem as colecionava”, explica o
coronel da reserva do Exército, professor de tiro e colecionador Carlos
Elberto Vella, que a pedido da equipe de reportagem do G1 comentou sobre o acervo do casal. Outros especialistas também analisaram a coleção.
Peças de cinema
Entre
os modelos apreendidos figuram uma submetralhadora da marca Thompson,
calibre .45, arma adotada por gângsters norte-americanos no final dos
nos anos de 1920 e início de 1930, como Alphonse Gabriel Capone, mais
conhecido por Al Capone. A arma também apareceu em filmes, como "Os
Intocáveis", de 1987, do diretor Brian de Palma, que retratou a prisão
do mafioso. Ela pode chegar a custar R$ 25 mil.
Os
Matsunaga ainda tinham na residência uma pistola automática alemã,
modelo Polizei Pistole Kriminal (PPK), calibre .380, arma que chegou a
ser usada por nazistas do ditador Adolf Hitler nos anos 1940. Compacta,
ela também figurou no cinema nas mãos do ator Sean Connery no papel do
agente policial James Bond em "007 Contra o Satânico Doutor No", de
1962. Alguns colecionadores pagariam R$ 8 mil por ela. Outro
exemplar que estava no imóvel do casal, um fuzil, modelo AR-15, é usado
pelas polícias Civil e Militar de São Paulo em operações. Considerada
de uso restrito, a arma pode ser adquirida por cidadãos comuns que são
colecionadores, segundo o Estatuto do Desarmamento. Sob a Lei Federal nº
10.826 de 22 de dezembro de 2003, ele regula a posse e comercialização
de armas e munições no Brasil. Especialistas disseram que esse tipo de
arma é comercializada por até R$ 45 mil - ela é considerada a mais cara
da coleção dos Matsunaga. As munições estão avaliadas em cerca de R$ 10
mil.
Algumas organizações não-governamentais, como o Instituto Sou da Paz,
criticam o texto atual do Decreto 3.665, de 20 de novembro de 2000, que
deu nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos
Controlados (R-105). Ele trata de blindagens, munições e armas. Nesta
semana, a ONG realiza a a Semana do Desarmamento na capital paulista.
Bruno Langeani , coordenador da área
de Controle de Armas do Instituto Sou da Paz e membro do Comitê de
Controle de Armas e Desarmamento na Prefeitura de São Paulo, afirmou que
todos os dias quase 100 brasileiros perdem a vida por causa de armas de
fogo. “O elevado número de armas em circulação, somado ao pouco
controle sobre quem vende, quem compra e como elas são utilizadas, e a
uma cultura que valoriza a arma como instrumento de poder e defesa,
contribuem para essa tragédia cotidiana", disse ele, que informou que a
presença de armas em casa e o tráfego delas nas ruas e estradas, mesmo
legalizadas, pode atrair a atenção de criminosos e serem usadas na
ilegalidade.
Legalizados: colecionadores e caçadores
Elize e Marcos possuíam o Certificado
de Registro (CR) do Exército para colecionar armas e também atirar e
caçar com elas. Em outras palavras, eles se enquadravam na modalidade
CAC (Colecionador, Atirador e Caçador) que dá o direito a posse das
armas. Podiam armazená-las na residência, e tinham autorização para
comprá-las em lojas especializadas sem limite de quantidade.
O CR tem validade de
dois anos renováveis por mais dois. O registro é concedido para civis
filiados a federações e clubes de tiro ou caça. Além de não terem
cometido crimes, eles precisam apresentar um atestado psicológico
particular informando que têm condições de possuir uma arma. Aprovados,
serão submetidos a testes de tiro.
De acordo com o coronel Edmir
Rodrigues, chefe do Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados
(SFPC) do Exército em São Paulo, todas as armas do casal estão
legalizadas. “O acervo do falecido era interessante. Ele possui um
armamento que é de um preço relativamente alto, coisa que lhe era
possível como colecionador. Percebe-se que ele gostava de armamento, com
armas usadas até por forças de segurança”, disse o coronel Edmir
Rodrigues.
O casal praticava no
Clube Calibre de Tiro, na Lapa, na Zona Oeste. “Marcos e Elize haviam se
filiado à federação. Soube que iam a estande de tiro praticar o
esporte”, disse Miguel Peinado, membro da Federação Paulista de Tiro
Esportivo.
Os Matsunaga não
possuíam autorização, no entanto, para portarem as armas. O transporte
delas para estandes de tiro, manutenção e exposições só podia ser feito
mediante a obtenção da Guia de Tráfego (GT), que é expedida pelo SFPC.
O porte de armas a
cidadãos é concedido, excepcionalmente, pela Polícia Federal. Apesar
disso, após o Estatuto do Desarmamento, a PF tem restringido essas
autorizações, segundo o Movimento Viva Brasil, favorável à população ter
a opção de ter uma arma para se defender contra os criminosos.
“Só os ‘amigos do
rei’ conseguem porte. Geralmente, esse certificado é dado a juízes,
promotores e seguranças que precisam portar a arma durante o trabalho
para defesa pessoal”, disse Bene Barbosa, presidente da ONG. “Para o
cidadão comum está mais difícil, mais caro e burocrático se conseguir
uma arma para praticar ou até mesmo para se defender contra bandidos
dentro da sua própria casa”, avalia.
Herança bélica
O
casal também colecionava armas brancas. A faca usada para cortar Marcos
ainda não foi localizada. Espadas e até um arco e flecha estavam no
imóvel, mas não foram apreendidos. Já a decisão sobre o destino da
coleção de armas e munições caberá a um juiz cível. Pela lei, as partes
interessadas têm direito à herança. Para reaver o material será preciso
solicitá-lo à Justiça. De
acordo com os advogados de Marcos e os de Elize, os familiares do morto
e os da assassina querem resgatar as armas, mas não têm interesse em
ficar com o acervo. Os parentes analisam se vão doar a coleção para
entidades sem fins lucrativos, como museus, ou se venderão o material a
colecionadores. Outra hipótese é a de levar os objetos para o Exército e
Polícia Federal para destruição. Segundo
o Ministério Público, das 33 armas do casal, 29 pertenciam a Marcos.
Vinte e seis estavam registradas no nome dele. As outras três estariam
irregulares. Elize tem quatro armas regularizadas.
De todas as armas do casal, o G1 não
teve acesso a seis delas. O paradeiro das mesmas não foi informado:
estariam guardadas em local não divulgado. São elas, quatro armas de
Marcos: um fuzil alemão DWM (Deutsche Waffen und Munitionsfabrik),
modelo 1908, avaliado entre R$ 1,5 mil a R$ 2mil. Também estão duas
pistolas, uma nacional da Taurus, calibre .380, que custa R$ 2,5mil; e
uma da HK (Heckler & Koch) da Alemanha, calibre 7,65 mm, de R$ 5
mil. Há ainda uma espingarda brasileira da Boito, calibre 20 GA (Gauge),
usada para caça e que vale R$ 1 mil.
A
equipe de reportagem também não conseguiu localizar duas armas da
bacharel - a pistola usada para matar o marido dela e uma espingarda do
Brasil, modelo pumping, calibre 12 GA, que sai por R$ 1 mil. “As
armas estão apreendidas e farão parte do inventário da família. Os
familiares não teriam autorização para possuir as armas porque não tem
nenhum outro colecionador na família. Então, terão que pensar o que vão
querer fazer com elas, se vão doar ao Exército para destruição ou vender
para algum colecionador. Mas será a Justiça que irá decidir o destino
das armas”, disse o advogado Luiz Flávio Borges D'Urso, advogado da
família do empresário Marcos Matsunaga na esfera criminal. “Elize
pode comercializar as armas de forma lícita ou doar. Faz parte do
patrimônio dela. São três ou quatro armas. Ainda não perguntei a ela
sobre o destino das armas. Mas, aparentemente, teria de ser feita uma
petição de restituição de coisa apreendida para reaver as armas”, disse o
advogado Luciano Santoro, defensor da bacharel em direito Elize.
Consultado pelo G1,
o jurista Luiz Flavio Gomes afirmou que todas as armas irregulares
apreendidas têm de ser destruídas ou usadas pela polícia. “Nos dias
atuais existe a política de destruição. Muitas estão sendo destruídas ou
uma ou outra pode ser usada pela polícia. Em relação as armas
legalizadas de Marcos Matsunaga, elas são patrimônio legítimo do
falecido. Portanto vão para herdeiros, os filhos, que poderão usar se
tiverem CR ou vender para outro colecionador etc. Mas antes é preciso
fazer um inventário que vai para um juiz analisar. É como um bem, como
um carro.”
Arma do crime será destruída
Apesar
de os advogados informarem que as armas poderão ser doadas, vendidas ou
destruídas, somente a pistola que Elize usou no assassinato do marido,
Marcos, não será devolvida. Essa arma permanecerá sob custódia da
Justiça por ser imprescindível num eventual julgamento do processo. Ela
deverá ser mostrada aos jurados. Depois terá de ser incinerada porque,
pela lei, foi empregada num crime. “Só
a arma que foi usada no crime é que não poderá ser devolvida. Ela
ficará retida até um eventual julgamento. Podendo, inclusive, ser usada
no júri. Após o processo, ela será descartada e destruída”, disse o
promotor José Carlos Cosenzo. De acordo com a Promotoria, as armas do
casal Matsunaga poderão ser doadas ou herdadas. Segundo Cosenzo a lei
não permite a venda das armas de colecionadores para colecionadores.
“Tem
que entrar no inventário. Se família não colocar em inventário haverá
perdimento das armas. Ela só pode doar. Não pode vender. O que pode
fazer é doação para outra pessoa colecionadora. Oficialmente pode doar
arma para outro colecionador, fazer troca entre armas. Mas a lei não
permite incentivo da compra e venda entre colecionadores. Isso é para
evitar o comércio entre colecionadores”, disse o promotor. Atualmente,
o armamento do casal Matsunaga, avaliado entre R$ 169,1 mil a R$ 267
mil por especialistas, está no cofre do Departamento de Homicídios e de
Proteção à Pessoa (DHPP). Procurado para comentar o assunto, o delegado
Jorge Carrasco, diretor do DHPP, informou que as armas estão guardadas à
disposição da Justiça. “Ela
[Justiça] é que irá decidir com quem as armas irão ficar: se é com a
família da vítima ou não. Ele era colecionador e tinha todas as armas
legalizadas”, afirmou Carrasco.
fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/08/colecao-dos-matsunaga-tem-armas-de-gangster-nazistas-e-james-bond.html
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