Governo federal
insiste em campanhas para desarmar a população. Valor de indenização,
que era de 100 a 300 reais, passa para 200 a 450 reais, de acordo com o
tipo de armamento
Frederico Vitor
Desde 2005,
quando foi derrotado nas urnas no referendo do desarmamento, o governo
não desistiu da tentativa de diminuir ao máximo o número de armas de
fogo nas mãos da população civil. Em novembro do ano passado, num ensaio
de incentivar mais cidadãos a entregarem suas armas, agora todo cidadão
que aderir à Campanha Nacional de Desarmamento vai receber novos
valores de indenização entre 200 a 450 reais de acordo com o tipo e
calibre do armamento. Antes, os valores variavam de 100 a 300 reais.
Desde 2004, já foram entregues mais de 600 mil armas de fogo. Em 2012, o
número ultrapassa 63 mil. Foram pagos em indenização mais de R$ 5
milhões. O Estatuto do Desarmamento — Lei nº 10.826 — entrou em vigor em
2003 e regulamenta o registro, a posse, o porte e a comercialização de
armas de fogo e de munição no Brasil. Com o estatuto, o país passou a
ter critérios mais rigorosos para o controle de armas de fogo. A lei
tornou mais difícil o acesso ao porte de arma e tenta estimular a
população a se desarmar.
Foi o estatuto que instituiu as campanhas de desarmamento. A norma
também readequou a legislação para punir mais efetivamente o comércio
ilegal e o tráfico internacional de armas de fogo. Qualquer cidadão que
queira entregar uma arma deve agora se dirigir a uma delegacia da
Polícia Federal (PF). Mas, será essa a melhor saída para diminuir a
violência no Brasil, país com taxas de homicídios superiores a 50 mil,
acima, até mesmo de zonas declaradamente em guerra? Desarmar a
população, deixando-a vulnerável, traria mais tranquilidade à sociedade?
Essas premissas passam a ideia de que os cidadãos de bem são os
responsáveis pelos morticínios alarmantes no Brasil.
Para essas e outras indagações acerca do tema, o advogado paulista
Benedito Barbosa — mais conhecido como Bene Barbosa —, presidente da ONG
Movimento Viva Brasil, tem respostas que contradizem a política
governamental de desarmamento. De acordo com ele, a ineficácia do
governo em proteger o cidadão levou ao crescimento do número de projetos
relacionados ao estatuto. Ou seja, se o Estado reconhece a sua
inoperância em deter o crescimento da violência urbana e no campo, o
cidadão brasileiro que leva uma vida íntegra, longe do mundo do crime, é
penalizado em detrimento dos criminosos que, em sua maioria, portam
armamentos de calibre pesado, às vezes superior ao arsenal das polícias.
A entidade que Bene Barbosa preside defende os direitos “à legítima
defesa” e se posiciona firmemente contra o desarmamento. A entidade
civil sem fins lucrativos defende a tese de que a campanha não age no
verdadeiro foco do problema, que é o abastecimento de criminosos com
armas e munições, mas joga sobre o cidadão honesto a responsabilidade
que não lhe cabe. Desta forma, não contribui em nada para a redução da
criminalidade, e nem traz mais segurança para a população, pelo
contrário.
O advogado explica que o governo também se equivoca ao negar o direito
ao uso de armas de fogo a algumas categorias. “É inegável a necessidade
de concessão de porte, como os oficiais de Justiça, guardas portuários,
agentes penitenciários e de trânsito, que sofrem agressões e são vítimas
de homicídio com frequência”, explica. Até mesmo dentro das polícias há
restrição de porte de armas. Os oficiais das Polícias Militares
estaduais e distrital, por exemplo, não podem portar pistolas calibre 9
mm como seus pares das Forças Armadas.
Só agora, após um lapso de bom senso perante os desafios hercúleos que a
segurança pública no Brasil impõe, o governo liberou o uso de armas
calibre .357 Magnum ou .45 ACP, antes impedidas de uso pelos policiais
rodoviários e ferroviários federais, policiais civis e militares e
bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal. A autorização foi
dada por meio de portaria assinada pelo comandante do Exército
Brasileiro, General Enzo Martins Peri — antes da publicação da portaria,
o policial militar era limitado ao calibre .40.
Ao considerar que a estimativa hoje no Brasil é de que haja 16 milhões
de armas em circulação, nota-se que a Campanha Nacional de Desarmamento
revelou-se um fiasco. Pior: não mudará de fato as estatísticas da
criminalidade. Isso levando em consideração que a maior parte das armas
entregues voluntariamente à polícia estava nas mãos de cidadãos sem
vínculo com a atividade criminosa. A própria estatística do Ministério
da Justiça demonstra que o problema não são as armas legais, e sim
aquelas irregulares sem registros e de uso restrito que é contrabandeada
de outros países, principalmente Paraguai e Bolívia.
Estima-se que atualmente haja pelo menos 8 milhões de armas ilegais no Brasil e que estariam em posse de criminosos.
Dificilmente, tal arsenal seria entregue de forma voluntária à polícia.
Nesta lógica, essas seriam as responsáveis por mais de 35 mil mortes
causadas anualmente por armas de fogo e não as que estariam sob domínio
da população de bem. De acordo com um estudo recente da ONU (Global
Study On Homicide), não há como se estabelecer cientificamente uma
relação entre a quantidade de armas em circulação e o número de
homicídio. Segundo o estudo, nos países onde há mais armas legais em
circulação, menores são os índices de homicídio.
O Brasil, por exemplo, com números irrelevantes de armas de fogo em
poder dos civis, é o país de maior incidência de homicídios no mundo,
numa proporção de 40,9 a cada 100 mil habitantes anualmente. Em
paradoxal situação, os países que apresentam as menores taxas de
assassinatos causados por armas de fogo estão entre os mais armados do
mundo, como a Suíça, Noruega, Finlândia, Canadá, França, Alemanha,
Áustria e Nova Zelândia. Nota-se também que esses países apresentam
elevados indicadores sociais e econômicos, com instituições fortes e
respeitadas.
Passados sete anos do referendo que disse não à proibição de vendas de
armas de fogo no Brasil, a vontade popular ainda é contrária às
restrições impostas pelo governo. Mesmo nos órgãos que fazem campanha ao
desarmamento, a população se mostra antipática à política proibitiva.
Na própria página no Facebook da Campanha Nacional de Desarmamento, há
uma enquete em que os internautas votaram contrários à ideia de desarmar
a população de bem. De acordo com Bene Barbosa, a percepção do direito
de possuir uma arma de fogo para legítima defesa acabou aumentando ainda
mais entre os brasileiros, principalmente devido à sensação de
insegurança em que vive o país.
Atualmente, há uma nova campanha na mídia. Como sempre oriunda do
Ministério da Justiça. Entretanto, o que se constata, segundo o advogado
e líder da ONG Viva Brasil, é que tais medidas não ajudam a diminuir a
violência. “O que se verifica é que eles mudam o mote da campanha, que é
velha. Portanto não há nenhuma eficácia no combate a violência. Pelo
contrário, isso traz uma simbologia ruim, que é a da rendição. Quando o
cidadão honesto entrega sua arma, o bandido vê nisso uma sujeição.
Mostra que a sociedade está rendida aos criminosos, que vêm se tornando
cada vez mais ousados.”
Diferente dos criminosos que compram qualquer tipo de arma no mercado
negro, o cidadão que quiser possuir uma arma por meios legais enfrentará
um demorado e burocrático processo. Primeiramente, é necessário
dirigir-se a uma unidade da Polícia Federal munido de cópias
autenticadas de documentos pessoais. Provar por meio de certidão nenhum
antecedente criminal e não estar respondendo a inquérito policial ou a
processo criminal. Além disso, é preciso passar por exames técnicos por
instrutores credenciados além de laudos psicológicos.
A exigência é tão rigorosa e os trâmites são tão dispendiosos e
demorados que também é uma forma encontrada pelo governo para
desestimular a aquisição de armas no país. Ao incentivar que a população
abaixe suas armas, a polícia vem notando que os criminosos não estão
conhecendo limites. Nos assaltos verificados em Goiânia, nota-se uma
imensa tranquilidade dos assaltantes, principalmente nos roubos de
veículos. Nem mesmo autoridades estão imunes ao perigo. Em outubro do
ano passado, o segurança — um sargento da Polícia Militar — do deputado
Luiz Carlos do Carmo (PMDB) reagiu a uma tentativa de assalto, matando o
criminoso que tentava roubar a caminhonete do parlamentar.
Na ação, o bandido estava tão tranquilo que deu as costas ao adentrar o
veículo, abrindo brecha para reação bem sucedida do militar. O mesmo
deputado, meses antes, teve uma filha assassinada no Setor Nova Suíça,
em Goiânia. Também numa tentativa de assalto, a advogada Michelle Muniz
do Carmo foi rendida por dois indivíduos que tentavam roubar o seu
carro, um Honda Civic. A vítima reagiu e acabou sendo morta. Horas
depois os criminosos foram presos pela Polícia Civil.
Bene Barbosa argumenta que as campanhas do desarmamento incentivam a
prática de crimes violentos. “Hoje o criminoso age na certeza de que não
encontrará nenhum tipo de reação. Não só pelo estatuto do desarmamento,
mas por essas campanhas que pedem para não reagir. Daí há
justificativas para os criminosos agirem tranquilamente.”
Desinformação
Recentemente o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), declarou
em Maceió que o número de assassinatos em Alagoas estava caindo para
padrões suíços. A comparação demonstra desinformação por parte da
principal autoridade do governo federal na área de segurança. A Suíça
faz parte do grupo de países em que a população apresenta alto índice de
posse de armas de fogo. Mais: no país europeu todo cidadão é um
soldado. O sistema de exército de milícias permite aos suíços que estão
em período de serviço militar o poder de levar para casa o próprio fuzil
de assalto. Os oficiais têm a permissão de armazenar na própria
residência munições e demais tipos de armamentos. Portanto comparar a
Federação Helvética com o Estado de Alagoas do alto nível de
criminalidade e homicídios é descabido.
Além disso, numa prova de que o ministro está totalmente equivocado, Alagoas tem o maior índice de homicídios do País.
Para o Viva Brasil, essas campanhas de desarmamento organizadas pelo
governo federal são fundamentadas em questões subjetivas, pois
manipulam números e visam somente ao convencimento do cidadão honesto
em abrir mão de um direito individual garantido por lei. O Mapa da
Violência 2011, divulgado pelo governo federal deixou claro que a
relação entre a quantidade de armas em circulação e a de assassinatos é
imprópria, pois a região do país campeã em tais crimes é a mesma onde há
menos armas: o Nordeste.
Outro agravante causado pelo estatuto do desarmamento é a
vulnerabilidade das propriedades rurais em todo Brasil. Em particular em
Goiás e nos outros Estados do Centro-Oeste, a questão vem preocupando
as autoridades policiais. Em entrevista ao Jornal Opção, em dezembro
do ano passado, o comandante da Polícia Militar, coronel Edson Araújo,
admitiu que os cidadãos da zona rural estão totalmente desprotegidos.
“Hoje o cidadão de bem foi desarmado. E quem a polícia prende armado
ilegalmente e que sabemos que está se preparando para cometer um crime,
vai à delegacia, paga uma fiança e é solto.”
Para contornar tal situação de insegurança no meio rural, a Polícia
Militar goiana está reforçando o efetivo das unidades de patrulhas
rurais e dotando-as com viaturas de tração 4x4 e equipadas com GPS.
Entretanto, mesmo com o reforço policial é humanamente impossível a
polícia ostensiva atender de forma rápida todas as diligências na zona
rural. Há um extenso número de fazendas e chácaras localizadas em
regiões longínquas do Estado, vulneráveis a todo tipo de ameaça
criminosa. O ideal seria armar o produtor rural e dar-lhe a mínima
condição de se defender da disseminada violência no campo.
Outro problema que o estatuto do desarmamento vem implicando é o
enfraquecimento e a estigmatização das organizações de praticantes do
tiro prático esportivo. Há um projeto de lei, de autoria do deputado Dr.
Rosinha (PT-PR), tramitando no Congresso Nacional, que prevê a
proibição da prática do tiro esportivo para menores de 18 anos. Bene
Barbosa, que também é adepto do esporte, classifica o projeto de lei
como absurdo, pois a prática esportiva no Brasil tem toda uma história e
disciplina, sendo dela a primeira medalha de ouro conquistada pelo país
em jogos olímpicos. “Não há notícia de nenhum incidente com clubes de
tiros. É um completo absurdo ainda mais para um país que receberá os
Jogos Olímpicos.”
Matança em Newtown e a disparada da venda de fuzis
Após mais uma
tragédia nos Estados Unidos, com o assassino descontrolado abrindo fogo
contra crianças na escola primária de Sandy Hook, na pacata Newtown, em
Connecticut, no dia 14 de dezembro, volta à tona a discussão sobre o
controle de armas naquele país e, por tabela, também no Brasil. Por lá,
desta vez coube ao governador do Estado de Nova York puxar o coro por
mais restrições ao acesso às armas. Por aqui também o governo aproveitou
a deixa para endurecer as políticas restritivas ao acesso de armas.
Diante
da possibilidade de uma lei por parte do governo americano que limite a
posse de armas de grosso calibre — como fuzis —, as vendas desse tipo
de armamento dispararam nos Estados Unidos. O campeão de vendas é o
AR-15, fuzil semiautomático projetado em 1957 para o exército
estadunidense, que foi largamente empregado no Vietnam. É a versão
“civil” do M-16, o fuzil mais usado pelas tropas norte-americanas. E ao
mesmo tempo em milhões de residências no país da América do Norte. No
Brasil a arma é conhecida por ser a preferida dos traficantes dos morros
cariocas. As Polícias Civis e Militares de vários Estados brasileiros
também fazem seu uso.
O AR-15 foi a arma usada por Adam Lanza para executar 26 pessoas, entre
elas 20 crianças, em Newtown. A discussão em decorrência do fato
trágico, no entanto, é duramente criticada pelo ONG Movimento Viva
Brasil. Seu presidente, Bene Barbosa, afirma que é impossível legislar
sobre a loucura, parafraseando o primeiro-ministro britânico, David
Cameron, quando ocorreu fato parecido no Reino Unido. “Uma lei mais
dura nos EUA não impediria um lunático de fazer o que fez. O que se
discute nos EUA é o fim das chamadas gun-free zones, que são locais onde
ninguém poder entrar armado, e as escolas são esses locais. Há
possibilidade quase certa que professores e diretores poderão portar
armas dentro de suas instituições para se proteger de ataques.”
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